terça-feira, março 18, 2008

Uma visão geral sobre ontologias

Ciência da Informação

Print ISSN 0100-1965

Ci. Inf. vol.32 no.3 Brasília Sept./Dec. 2003
doi: 10.1590/S0100-19652003000300002 

ARTIGOS

Uma visão geral sobre ontologias: pesquisa sobre definições, tipos, aplicações, métodos de avaliação e de construção

An overview about ontologies: survey about definitions, types, applications, evaluation and building methods

Mauricio B. AlmeidaI; Marcello P. BaxII

IMestre em Ciência da Informação Professor assistente da PUC Minas E-mail: mba@pucminas.br
IIDoutor em Ciência da Computação Professor Adjunto da ECI - UFMG E-mail: bax@ufmg.br


RESUMO

Os estudos sobre a organização da informação têm recebido cada vez mais importância à medida que o número crescente de fontes de dados disponíveis dificulta a recuperação da informação. Nos últimos anos, vários trabalhos têm destacado o uso de ontologias como alternativa para a organização da informação. Este artigo objetiva proporcionar uma visão geral sobre o estado-da-arte no estudo de ontologias. Apresentam-se definições para o termo, uma breve discussão sobre seu significado, tipos de ontologias, propostas para aplicações em diferentes domínios de conhecimento e propostas para a construção de ontologias (metodologias, ferramentas e linguagens).

Palavras-chave: Ontologias; Organização da informação.


ABSTRACT

Researches on the organization of information have received more and more emphasis as the increased number of available data sources has compromised the retrieval of information. In the past few years, several studies have emphasized the use of ontologies as an alternative to information organization. This paper seeks to provide an overview of the state-of-the-art approaches regarding ontologies. Definitions and a brief discussion about the sense of the term are presented, as well as types of ontologies, proposals of applications in different knowledge domains and suggestions for the building up of ontologies (methodologies, tools and languages).

Keywords: Ontologies; Information organization.


INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o aumento exponencial dos dados disponíveis tem conferido importância significativa às técnicas de organização da informação. Essas técnicas fazem parte de um corpo de disciplinas que busca melhorias no tratamento de dados, atuando na sua seleção, no seu processamento, na sua recuperação e na sua disseminação.

Diversos tipos de estruturas são utilizados na organização da informação. Estruturas que se organizam a partir da utilização de termos são os arquivos de autoridade, glossários e dicionários. Estruturas que se organizam com a classificação e a criação de categorias são os cabeçalhos de assunto e os esquemas de classificação (ou taxonomias). As estruturas que se organizam a partir de conceitos e de seus relacionamentos são as ontologias, os tesaurus e as redes semânticas.

Nos últimos anos, uma abordagem que tem recebido atenção é a utilização de ontologias na organização do conteúdo das fontes de dados. Uma ontologia é criada por especialistas e define as regras que regulam a combinação entre termos e relações em um domínio do conhecimento. Os usuários formulam consultas usando conceitos definidos pela ontologia. O que se busca, em última instância, são melhorias nos processos de recuperação da informação.

Ontologias são utilizadas hoje em diversas áreas para organizar a informação (Bateman, 1996; Borgo et alii, 1997; Aguado et alii,, 1998; Domingue, 1998; Hasman et alii, 1999; Shum; Motta & Domingue, 2000; Leger et alii, 2000; Kalfoglou, 2001; Vázquez, Valera & Bellido, 2001; Gandon, 2001; Martin & Eklund, 2001; Alexaki et alii, 2002). São encontradas na literatura diversas definições para as ontologias, diversos tipos, propostas para aplicação em diferentes áreas de conhecimento e propostas para a construção de ontologias (metodologias, ferramentas e linguagens). Tal diversidade tem dificultado a escolha e a utilização das técnicas disponíveis para a manipulação de ontologias na organização da informação.

O objetivo desse artigo é sistematizar as principais contribuições, proporcionando uma visão geral do estado-da-arte em ontologias. A pesquisa sobre projetos, metodologias, ferramentas, linguagens e métodos de avaliação apresentada não tem a pretensão de abordar todas as iniciativas existentes. Apesar da preocupação em cobrir os itens mais representativos descritos recentemente na literatura, este estudo não é exaustivo. Por conter muitas abordagens, o trabalho não se aprofunda em nenhuma delas, descrevendo-as sinteticamente.

Este artigo está organizado conforme segue: introdução das ontologias e estudo das diferentes definições, conceitos básicos, características e tipos de ontologias; apresentação de uma pesquisa sobre o uso de ontologias, destacando projetos, repositórios e ontologias conhecidas; abordagem da construção de ontologias, apresentando-se metodologias, ferramentas e linguagens, além de métodos para a avaliação dos resultados; finalmente, apresentação das conclusões e indicação de direções para trabalhos futuros.

ONTOLOGIAS: DEFINIÇÕES, CONCEITOS BÁSICOS E TIPOS

Definições e conceitos básicos

Historicamente o termo ontologia tem origem no grego "ontos", ser, e "logos", palavra. O termo original é a palavra aristotélica "categoria", que pode ser usada para classificar alguma coisa. Aristóteles apresenta categorias que servem de base para classificar qualquer entidade e introduz ainda o termo "differentia" para propriedades que distinguem diferentes espécies do mesmo gênero. A conhecida técnica de herança é o processo de mesclar differentias definindo categorias por gênero.

Em seu sentido filosófico, trata-se de um termo relativamente novo, introduzido com o objetivo de distinguir o estudo do ser como tal. O Dicionário Oxford de Filosofia define ontologia como "[...] o termo derivado da palavra grega que significa 'ser', mas usado desde o século XVII para denominar o ramo da metafísica que diz respeito àquilo que existe" (Blackburn & Marcondes, 1997).

O termo ontologia tem um sentido especial em organização da informação, diferente daquele tradicional adotado na filosofia. São diversas as definições apresentadas na literatura e existem contradições.

De forma simples, para elaborar ontologias, definem-se categorias para as coisas que existem em um mesmo domínio. Ontologia é um "catálogo de tipos de coisas" em que se supõe existir um domínio, na perspectiva de uma pessoa que usa uma determinada linguagem (Sowa, 1999). Trata-se de "uma teoria que diz respeito a tipos de entidades e, especificamente, a tipos de entidades abstratas que são aceitas em um sistema com uma linguagem" (Merriam-Webster; Gove, 2002* apud Corazzon, 2002, p. 1).

Uma das definições mais conhecidas para ontologias é apresentada por Gruber (1996),** apud Corazzon, 2002, p. 1:

"Uma ontologia é uma especificação explícita de uma conceitualização. [...] Em tal ontologia, definições associam nomes de entidades no universo do discurso (por exemplo, classes, relações, funções etc. com textos que descrevem o que os nomes significam e os axiomas formais que restringem a interpretação e o uso desses termos) [...]."

O termo conceitualização corresponde a uma coleção de objetos, conceitos e outras entidades que se assume existirem em um domínio e os relacionamentos entre eles (Genesereth & Nilsson, 1987). Uma conceitualização é uma visão abstrata e simplificada do mundo que se deseja representar.

A definição proposta por Gruber é discutida em Guarino & Giaretta (1995)***, apud Corazzon, 2002, p. 1:

"[...] um ponto inicial nesse esforço de tornar claro o termo será uma análise da interpretação adotada por Gruber. O principal problema com tal interpretação é que ela é baseada na noção conceitualização, a qual não corresponde à nossa intuição. [...] Uma conceitualização é um grupo de relações extensionais descrevendo um 'estado das coisas' particular, enquanto a noção que temos em mente é uma relação intensional, nomeando algo como uma rede conceitual a qual se superpõe a vários possíveis 'estados das coisas'."

Uma definição intensional consiste de uma lista de características do conceito. Por exemplo, lâmpada incandescente é a lâmpada elétrica que emite luz a partir do aquecimento de um filamento pela corrente elétrica. A lâmpada incandescente é definida como o auxílio do gênero mais próximo (lâmpada elétrica) e de suas características. Uma definição extensional é uma enumeração de aspectos de todas as espécies que são do mesmo nível de abstração. Por exemplo, os planetas do sistema solar são Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão (ISO-standard 704).

Guarino (1998) revê a definição de conceitualização fazendo uso do aspecto intensional, para obter uma interpretação mais satisfatória:

"[...] ontologia se refere a um artefato constituído por um vocabulário usado para descrever uma certa realidade, mais um conjunto de fatos explícitos e aceitos que dizem respeito ao sentido pretendido para as palavras do vocabulário. Este conjunto de fatos tem a forma da teoria da lógica de primeira ordem, onde as palavras do vocabulário aparecem como predicados unários ou binários."

O vocabulário formado por predicados lógicos forma a rede conceitual que confere o caráter intensional às ontologias. A ontologia define as regras que regulam a combinação entre os termos e as relações. As relações entre os termos são criadas por especialistas, e os usuários formulam consultas usando os conceitos especificados. Uma ontologia define assim uma "linguagem" (conjunto de termos) que será utilizada para formular consultas.

Borst (1997, p. 12) apresenta uma definição simples e completa, que será adotada neste trabalho: "Uma ontologia é uma especificação formal e explícita de uma conceitualização compartilhada". Nessa definição, "formal" significa legível para computadores; "especificação explícita" diz respeito a conceitos, propriedades, relações, funções, restrições, axiomas, explicitamente definidos; "compartilhado" quer dizer conhecimento consensual; e "conceitualização" diz respeito a um modelo abstrato de algum fenômeno do mundo real.

Discussões podem ser encontradas em Guarino & Giaretta (1995), que apresentam diferentes sentidos para o termo em relação a níveis de abstração. Outras definições para o termo são encontradas em Albertazzi (1996), Neches et alii (1991), Wache et alii (2001), Uschold & Gruninger (1996) e Chandrasekaran, Johnson & Benjamins (1999). Para uma discussão detalhada, considerações e críticas, ver Guarino (1996) e Guarino (1998). Ozkural (2001) refere-se a ontologias como uma teoria de classificação.

Mesmo sem um consenso sobre sua definição, as ontologias apresentam características comuns. A seção seguinte apresenta as principais características das ontologias e uma breve revisão de literatura sobre como podem ser classificadas.

Características e tipos de ontologias

As ontologias não apresentam sempre a mesma estrutura, mas existem características e componentes básicos comuns presentes em grande parte delas. Mesmo apresentando propriedades distintas, é possível identificar tipos bem definidos.

Os componentes básicos de uma ontologia são classes (organizadas em uma taxonomia), relações (representam o tipo de interação entre os conceitos de um domínio), axiomas (usados para modelar sentenças sempre verdadeiras) e instâncias (utilizadas para representar elementos específicos, ou seja, os próprios dados) (Gruber, 1996; Noy & Guinness, 2001).

Algumas das propostas definem tipos de ontologias relacionando-as à sua função (Mizoguchi, Vanwelkenuysen & Ikeda, 1995), ao grau de formalismo de seu vocabulário (Uschold & Gruninger, 1996), à sua aplicação (Jasper & Uschold, 1999) e à estrutura e conteúdo da conceitualização (Van-Heijist, Schreiber & Wielinga, 1997), (Haav & Lubi, 2001). A tabela 1, a seguir, sintetiza cada abordagem.

Mesmo sem um consenso, observa-se que os tipos apresentados guardam semelhanças entre suas funções. Conhecidos os principais tipos e características, pode-se buscar ontologias existentes adequadas à utilização desejada. A seção seguinte apresenta uma pesquisa sobre a utilização de ontologias em diversos projetos citados na literatura, além de repositórios e ontologias conhecidas.

PESQUISA SOBRE A UTILIZAÇÃO DE ONTOLOGIAS

Projetos que fazem uso das ontologias

Ontologias são utilizadas em projetos de domínios como gestão do conhecimento, comércio eletrônico, processamento de linguagens naturais, recuperação da informação na Web, de cunho educacional, entre outros. As tabelas 2, 3, 4, 5 e 6, a seguir, apresentam exemplos de projetos que utilizam ontologias e uma descrição sintética.

Exemplos de ontologias e repositórios de ontologias

Existem ontologias disponíveis para uso ou para modelar a construção de outras ontologias. Na seqüência, as tabelas 7, 8, 9 e 10, a seguir, apresentam exemplos dessas ontologias e uma descrição sintética de cada uma delas. A tabela 11, a seguir, apresenta alguns repositórios de ontologias disponíveis na Internet.

CONSTRUINDO ONTOLOGIAS: METODOLOGIAS, FERRAMENTAS, LINGUAGENS E AVALIAÇÃO

Metodologias

Metodologias têm sido desenvolvidas no intuito de sistematizar a construção e a manipulação de ontologias (López, 1999). Existem metodologias para a construção de ontologias, para construção de ontologias em grupo, para aprendizado sobre a estrutura de ontologias e para a integração de ontologias. Baseado nos estudos de Corcho, Fernández-López & Gomez-Pérez (2001), apresentam-se várias metodologias para construção de ontologias. As tabelas 12, 13, 14 e 15, a seguir, sintetizam os comentários sobre as metodologias, proporcionando uma visão geral de seu funcionamento.

As metodologias apresentadas possuem abordagens e características diversas. Não parece provável a unificação das propostas em uma única metodologia. Para verificar a utilidade das metodologias e compará-las, é necessário avaliar a ontologia resultante da aplicação de cada metodologia. Além de metodologias, existem ferramentas utilizadas para a construção de uma ontologia.

Ferramentas para a construção de ontologias

Por se tratar de uma tarefa dispendiosa, qualquer apoio na construção de ontologias pode representar ganhos significativos. Exemplos de ferramentas para a construção de ontologias são apresentados a seguir, na tabela 16.

Critérios devem ser definidos para que as ferramentas de construção de ontologias possam ser comparáveis. Em geral, as ferramentas utilizam linguagens de representação para a construção das ontologias, as quais são apresentadas na seção seguinte.

Linguagens para a construção de ontologias

Alguns exemplos de linguagens que se prestam à construção de ontologias são apresentados a seguir, na tabela 17.

Critérios devem ser definidos para que se possa comparar as linguagens para construção de ontologias apresentadas nessa seção. Wache et alii (2001) apresentam um comparativo entre as linguagens sobre diversos aspectos (operadores, axiomas, declarações etc.). A seção seguinte apresenta uma breve pesquisa sobre métodos para a avaliação de ontologias.

Métodos de avaliação para ontologias

Propostas para a avaliação de ontologias são encontradas na literatura, mas parecem existir poucas metodologias formais. A construção de ontologias é ainda mais artesanal do que científica (Jones et alii, 1998), e não existem propostas unificadas, sendo que grupos diferentes utilizam diferentes abordagens (Fernandez, 1999). Essa diversidade pode ser um fator que dificulta a formulação de metodologias de avaliação formais.

Algumas questões básicas para a avaliação de ontologias são: Quais são os mecanismos para interagir com as ontologias? Qual é o formalismo de representação do conhecimento utilizado? A ontologia é bem documentada? A ontologia foi avaliada sobre o ponto de vista técnico?

Gómez-Perez (1999) apresenta critérios que podem ser utilizados para avaliar ontologias. Os passos apresentados para a avaliação focalizam-se sobre os conceitos e definições que compõem a ontologia:

• Verificar a estrutura ou arquitetura da ontologia: as definições são construídas seguindo os critérios de projeto?

• Verificar a sintaxe das definições: existem estruturas ou palavras-chave sintaticamente incorretas nas definições?

• Verificar o conteúdo das definições: o que a ontologia define ou não? O que define incorretamente? O que pode ser inferido e o que não pode?

A tabela 18 apresenta, a seguir, exemplos de mecanismos formais para a avaliação de ontologias.

CONCLUSÕES

Este artigo proporcionou uma visão geral sobre o estado-da-arte no estudo de ontologias. Apresentaram-se definições, tipos, aplicações, metodologias, ferramentas e linguagens para a construção de ontologias. Pesquisou-se o uso de ontologias, destacando projetos, repositórios e ontologias conhecidas.

Apesar da preocupação em cobrir os itens mais representativos descritos recentemente na literatura, o estudo não é exaustivo e tem se verificado o surgimento de novas iniciativas. Conclui-se que a existência de inúmeras e variadas abordagens justifica um trabalho de sistematização como o apresentado.

O grande volume de pesquisa sobre o assunto sugere a importância e a utilidade das ontologias na tarefa de organizar informações em um domínio do conhecimento. O ambiente informacional atual é mais abrangente do que há alguns anos, principalmente em função do advento da Internet e da popularização dos computadores. Junto a outras ferramentas tradicionais utilizadas pela biblioteconomia (como, por exemplo, os tesauri), as ontologias podem proporcionar melhorias na recuperação da informação ao organizar o conteúdo de fontes de dados que compõem um domínio. Além disso, as ontologias permitem formas de representação baseadas em lógica, o que possibilita o uso de mecanismos de inferência para criar novo conhecimento a partir do existente. Dessa forma, representam uma evolução em relação a técnicas tradicionais.

Espera-se que este trabalho sirva de base para estudos que aprofundem algumas das abordagens aqui pesquisadas. As linguagens, ferramentas e metodologias para a construção de ontologias devem ser discutidas e analisadas, para se determinar sua melhor utilização, contribuindo para o avanço da área de representação do conhecimento. Tais tarefas estão além do escopo deste artigo, e pretende-se abordá-las em trabalhos futuros.

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