domingo, março 16, 2008

Organizações em Rede

Tema do mês de junho de 2006

Título do tema: Organizações em rede: novas formas de comunicação no terceiro setor

Autora: Sheila Prado Saraiva

Versão para download: Tema do mês de junho de 2006

Considerações Iniciais*

A organização de pessoas ou instituições em rede, para fins diversos, mas com objetivos, valores ou interesses comuns, é uma característica evidente da época em que vivemos. Como completa CASTELLS (1999, p. 565), “como tendência histórica, as funções e os processos dominantes na era da informação estão cada vez mais organizados em torno de redes”. E acrescenta: “redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados produtivos e de experiência, poder e cultura” (idem, p. 565).

E o que são essas redes? A palavra rede vem do latim retis e, a partir de significados diversos, pode ser definida como um “entrelaçamento de fios com aberturas regulares que formam uma espécie de tecido” (SILVA, 2001, n.p.). Normalmente são definidas como um conjunto de pontos interligados, em associação ao desenho de uma teia ou trama de fios. Porém, para CAPRA (apud COSTA, MARTINHO e FECURI, 2003, p.24), que as analisa sob a ótica dos sistemas vivos, essas estruturas interligadas possuem propriedades e dinâmicas específicas que a caracterizam como rede, como a não-linearidade, laços de retroalimentação, autoorganização e capacidade de operar de forma não hierárquica.

Segundo o autor, são essas características que determinam a condição de rede sob a qual a vida se organiza: “onde quer que encontremos sistemas vivos – organismos, partes do organismos ou comunidade de organismos – podemos observar que seus componentes estão arranjados à maneira de rede” CAPRA (apud COSTA, MARTINHO e FECURI, 2003, p.12).

As redes, portanto, não são nova forma de estrutura em nossa sociedade, nem do ponto de vista biológico nem da construção de relacionamentos. O que talvez seja recente é a aplicação das redes em um novo contexto, baseado no uso tecnologia e, em alguns casos, para fins específicos e organizacionais.

Segundo LIPNACK & STAMPS (1992), somente nas últimas décadas é que o conceito de redes foi adotado como “ferramenta organizacional” para dar nome a uma nova forma de trabalho colaborativo entre partes (pessoas, instituições em geral, empresas etc.) muito facilitada pelas inovações tecnológicas da Era da Informação.

Esta nova ferramenta ou forma de trabalho permite, através das possibilidades de interconexão, alterar e recriar paradigmas geográficos, pois coloca em contato, em tempo real, pontos de diversas partes do globo, modifica a noção de distância e cria novos espaços, como os “territórios” virtuais para “comunidades” que não convivem fisicamente.

Modifica também o paradigma clássico da comunicação e a relação emissor-receptor, pois coloca muitos pontos em contato sem que necessariamente se tornem massa. Possui inúmeros emissores e receptores ao mesmo tempo, e as trocas de mensagens são feitas em todas as direções. Além disso, a rede altera a percepção do receptor e confere a este um papel ativo na busca e na seleção da informação (e também de seu interlocutor) dentro de um universo de dados.

Diferentes grupos se utilizam de vários recursos para desenvolver trabalhos em parceria, nos quais a rede é um instrumento que torna a troca possível: redes de pesquisadores que estudam um mesmo assunto, redes de correspondentes internacionais para a mídia, redes de organizações preocupadas com questões sociais e meio ambiente, redes de voluntários, redes de empresas (ou redes de trabalho dentro de uma empresa), entre outros. A localização de cada um desses pontos torna-se irrelevante do ponto de vista geográfico, se houver capacidade de conexão que viabilize o diálogo.

Há uma série de estudos que abordam, com profundidade, os diversos olhares sobre a sociedade em rede, e que buscam compreender a aplicação desse modelo nos contexto atual: das questões antropológicas às tecnológicas, das análises teóricas aos aspectos práticos. Em geral, são estudos multidisciplinares que iluminam determinados ângulos de uma realidade bastante complexa, construída em tempo real.

No presente trabalho, partiremos de algumas evidências observadas no processo de reorganização social e utilizaremos como argumentos, a partir do referencial teórico estudado, alguns “porquês” encontrados como delineadores desta tendência.

Assim como CAPRA (apud COSTA, MARTINHO e FECURI, 2003) aponta a existência de redes em todos os sistemas vivos, LIPNACK & STAMPS (1992) e CASTELLS (1999) colocam, do ponto de vista sociológico, que a organização da sociedade em rede é tão antiga 13 quanto a humanidade, tendo existido em outros tempos e espaços, em formatos adequados às realidades e contextos da época. Por essa razão, os autores entendem que não há como compreender esta forma de organização social, no momento atual, sem tocar em questões fundamentais do processo de transformação da nossa sociedade, como “(...) a construção de identidade, movimentos sociais, transformação do processo político [e econômico] e crise do Estado na era da informação” (CASTELLS, 1999, p. 565).

Além das questões acima apontadas, identificamos a inovação gerada pelas tecnologias da informação como o principal estímulo e recurso para que as redes, no sentido atual, sejam constituídas. CASTELLS (1999) aponta que a tecnologia da informação é justamente aquilo que oferece a base material que permite à sociedade adotar, em escala, essa forma de organização social.

Sobre o significado atual das redes, LIPNACK & STAMPS (1992, p. 3) definem que “o trabalho em rede de conexões significa pessoas conectando-se com pessoas, unindo idéias e recursos”. Para GUARNIERI (2004, p. 1), “quando falamos em rede [...] estamos falando de um novo jeito de se organizar, de atuar, de formar parcerias e alianças”; Em “Megatrends”1, a palavra networking é traduzida como “comunicação lateral intensiva”2, termo que reúne em si a forma de relacionamentos existentes em redes (hierarquia substituída pela lateralidade), o objetivo desta integração (a troca) e o meio, premissa básica para a existência da rede (a comunicação, que permite estabelecer elos entre os pontos da rede).

O trabalho em rede pressupõe colaboração e troca constante entre seus pontos. AYRES (2003) destaca os fluxos de informação e de conhecimento e o aprendizado decorrente das interações e cooperações – que permitem a sobrevivência em grupos sociais – como questões centrais para pautar o trabalho em rede.

Cabe ressaltar que a circulação de informações de forma não-linear CAPRA (apud COSTA, MARTINHO e FECURI, 2003) é a essência deste modelo, independente da existência de um objetivo ou projeto comum entre os pontos – embora, considerando a aplicação do modelo em organizações, o estabelecimento de um projeto comum possa ser adequado e pertinente.

Por sua natureza, e também pelas transformações sociais vividas em nossos dias, observamos que as redes têm sido bastante disseminadas no Terceiro Setor, dentro do qual tais formas de organização das relações ampliam tanto as possibilidades de articulação entre os atores sociais como o impacto de suas ações. Como um argumento a mais, identificamos que a participação voluntária, o trabalho colaborativo, inclusivo e baseado em valores comuns que permeiam as redes também está em sintonia com as finalidades do Terceiro Setor.

Como aponta SILVA (s.d, p.1):

O terceiro setor se caracteriza por iniciativas, cujos profissionais envolvidos percebem a colaboração participativa como um meio eficaz de realizar transformações sociais. As instituições do terceiro setor têm procurado desenvolver ações conjuntas, operando nos níveis local, regional, nacional e internacional, contribuindo para uma sociedade mais justa e democrática. Para tanto, e a partir de diversas causas, a sociedade civil se organiza em redes para a troca de informações, a articulação institucional e política e para a implementação de projetos comuns. (s.d, p.1)

Nesse sentido, entendemos que o estabelecimento de parcerias e trabalho colaborativo no Terceiro Setor não é apenas uma oportunidade de potencializar as ações. Mais do que isso, é uma maneira de relacionar-se.

Em qualquer segmento ou setor social, as redes são, acima de tudo, espaços de comunicação e relacionamento entre pessoas (ligação entre nodos). Por isso, poderíamos dizer que as redes são em si processos comunicativos, já que é a troca estabelecida entre os nodos a razão de ser de uma rede. Qualquer que seja seu objetivo principal, sua causa, bandeira, ou valores, sua razão de existência está na interação entre dois ou mais pontos, constituindo um sistema aberto que, através da troca de informações, estabelece um processo comunicativo.

Por isso mesmo, embora seja central a questão tecnológica quando falamos de rede, não é menos relevante a questão do relacionamento entre as partes. LIPNACK & STAMPS (1992, p. 10) dizem que “a essência do trabalho em rede reside no relacionamento pessoa-pessoa; são pessoas que escrevem cartas [...] que conversam em grupos, [...], propõem idéias, compilam recursos e fecham negócios. São pessoas que têm e transmitem valores”. FACHINELLI, MARCON & MOINET (2001) seguem esta mesma idéia, afirmando que:

Evidenciar as relações entre atores não é suficiente para enunciar a existência de uma verdadeira rede. Uma agenda de endereços, não mais que um anuário de diplomados, não constitui rede, mas sim uma matéria-prima relacional. Para que a rede ganhe corpo, é necessário que um projeto concreto, coletivo, voluntário, proporcione uma dinâmica específica às relações pré-existentes.

Com base na perspectiva de que redes são espaços de comunicação e relacionamento característicos da sociedade atual, buscaremos compreender suas formas e suas potencialidades para organizações do Terceiro Setor. Em especial, investigaremos a possibilidade de fomentar o trabalho em rede, neste contexto, através de um olhar da comunicação organizacional.

Objetivo do estudo

O objetivo geral deste estudo é analisar os aspectos comunicacionais e de construção dos relacionamentos das redes, partindo de um contexto macro, que é a sociedade em transformação – na qual as redes constituem uma nova forma de organização social. Buscaremos, também, compreender as razões que estimulam o indivíduo a agrupar-se.

O objetivo específico é entender o papel das redes como processos de comunicação e como estratégia de comunicação organizacional em organizações sociais, levando em consideração que este tem sido um modelo bastante adotado no Terceiro Setor e em sintonia com a sociedade da informação3.

Metodologia de trabalho

O presente trabalho é constituído de duas partes: um levantamento teórico sobre os conceitos pertinentes ao tema em questão e uma análise qualitativa, feita a partir do estudo de organizações do Terceiro Setor que adotam esse modelo de trabalho.

Segundo DENCKER e DAVIÁ (2001), a pesquisa qualitativa está baseada em um processo de intensa observação por parte do pesquisador, e os dados coletados resultantes deste trabalho são predominantemente descritivos.

Por sua vez, a análise será construída com o auxílio de um quadro referencial teórico, a partir da experiência de rede de cada organização, da coleta de documentos organizacionais, e de relatos e informações obtidos através de métodos de observação.

Segundo LOPES (2003), o estudo dos fenômenos comunicacionais estão necessariamente apoiados nos estudos das Ciências Sociais e, devido a sua complexidade, demanda um entendimento multidisciplinar que contemple os diversos aspectos que envolvem estes fenômenos. Estudá-los sob a ótica de uma única ciência ou disciplina seria limitante, e não permitiria compreender os processos comunicacionais em sua totalidade, como fenômenos sociais que são.

Levando em conta a necessidade de compreender a comunicação de forma ampla e, por outro lado, entendendo que esgotar toda a complexidade do assunto deste estudo é inviável, buscaremos desenvolver um olhar multidisciplinar atento aos principais temas correlacionados.

1 NAISBITT, John. Megatrends: Ten new directions transform. London: Warner Books, 1984. voltar
2 O termo é apresentando em nota de rodapé do livro “Networks: Redes de Conexões”, de Jessica Lipnack e Jeffrey Stamps, como sendo a tradução para o português da palavra networking, utilizada no livro “Megatrends”, de John Naisbitt. voltar
3 O termo Era da Informação é utilizado por Castells para caraterizar tanto os avanços tecnológicos nas áreas de Computação e Telecomunicações (que ocorreram no século XX e que ocorrem, ainda, neste início de século XXI), como as mudanças trazidas a partir de tais avanços. Estes, combinados a uma circulação cada vez maior de informações pelo planeta, passaram a remodelar de forma profunda a organização da sociedade. Assim é que as chamadas "Tecnologias da Informação" tornaram-se ferramentas geradoras de riqueza, com participação indispensável no exercício do poder e na criação de novos códigos culturais. Além disso, as Tecnologias de Informação fortalecem a existência das redes – estas se tornam, cada vez mais, o modelo mais utilizado na organização das atividades humanas na Era da Informação. voltar

*Nesta página são apresentadas apenas as considerações gerais do texto. Os demais tópicos estão contidos no documento disponível para download. voltar

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